Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O grande incêndio de Londres Voltar

Estamos na época de incêndios, o que já é habitual todos os anos. Na Covilhã ficou na memória o incêndio urbano, por fogo-posto, ocorrido na madrugada de 14 de junho de 1907, que foi conhecido pelo Incêndio da Mineira.

A data de 2 de setembro de 1666 ficaria na história dos ingleses, e do mundo, pelos piores motivos – o Grande Incêndio de Londres.

Em Portugal, governava nessa época D. Afonso VI, que casaria nesse mesmo ano de 1666 com D. Maria Francisca Isabel de Saboia. Também nesse mesmo ano falecia sua mãe, a rainha D. Luísa de Gusmão.

Um ano após sofrer a Peste Negra, Londres foi tomada pelas chamas e perdeu 80% da sua área central. A reconstrução que se seguiu transformou a cidade na capital do mundo.

Era de manhã e a um domingo. Ninguém se deu ao trabalho de dar a notícia ao rei Carlos II, que estava descansando nos seus aposentos do palácio de Whitehall. Não parecia haver motivos para preocupação, uma vez que, como qualquer grande cidade europeia da época, a capital britânica estava acostumada a lidar com pequenos focos, rapidamente apagados com a ajuda da própria população e seus baldes cheios de água. Desta vez, porém, seria diferente. Ao fim de quatro dias, 1800 Km2 da cidade ficaram em cinzas. A destruição de 13200 casas, 87 igrejas, incluindo a primitiva Catedral de São Paulo, e mais de 50 sedes de instituições ou corporações profissionais, portas da cidade e quatro pontes sobre o rio Tamisa, deixou 100 mil desabrigados e 9 mortos. Este episódio ficaria conhecido como acima referido.

Tudo começou na noite anterior, no forno da padaria Pudding Lane, fornecedor de pães à família real. Thomas Farriner fechou o seu estabelecimento que ficava no primeiro andar da sua casa. Eram 22 hora do dia 1 de setembro. Quatro horas depois, foi acordado por um funcionário (que dormia no piso de baixo). Os fornos não haviam sido totalmente apagados, e uma brasa alcançou uma pilha de feno que ficava ao lado. Farriner e a sua família escaparam com vida porque saltaram da janela do andar de cima para a casa ao lado – uma empregada ficou com medo de cair, tentou sair pela porta e acabou por se tornar a primeira vítima deste incêndio. Os vizinhos correram para ajudar a conter o fogo. Tornava-se importante agir com rapidez porque a cidade de Londres ainda tinha ruas estreitas e casas muito próximas umas das outras. Enquanto isso, o oficial da Marinha Samuel Pepys, que morava distanciado um Km dali, foi acordado de madrugada pelo barulho da madeira queimando, mas voltou a dormir tranquilamente. Ao acordar, de manhãzinha, ficou assustado ao verificar que 300 casas estavam destruídas e o fogo já atingia a Ponte de Londres.

Foi Pepys quem se apresentou ao rei com o primeiro relato detalhado dos acontecimentos. Carlos II pediu-lhe que que levasse ao prefeito da cidade, sir Thomas Bloodworth, a ordem para não poupar casa alguma, desde que as chamas fossem contidas. Este demorou a agir. A cidade só teria um Corpo de Bombeiros organizado no século seguinte. Grupos de soldados faziam esse papel em caso de emergência.

As chamas chegaram aos arredores do rio Tamisa, onde havia depósitos de madeira, carvão e azeite. As explosões que se seguiram pioraram um quadro que já era preocupante. O fogo ainda acabaria por barrar o acesso aos dutos de abastecimento de água do rio. Na noite de 4 de setembro chegou a vez da Catedral de São Paulo, construída em madeira e inaugurada no ano 604, tinha ganho três ampliações e uma reforma, iniciada em 1633.

Chocada, a população perdeu a paciência. O relacionamento do povo com o rei de 33 anos não era dos melhores. Foi só quando a situação ficou grave demais que ele mandou seu irmão, o duque de York, com uma tropa para ajudar no combate ao incêndio.

A classe social atingida explica a quantidade de desabrigados, assim como a baixa contagem de vítimas fatais, apenas 9, sem nenhum registo de feridos. É que os ingleses da época não tinham o hábito de fazer atestados de óbito para pessoas mais pobres, o que inviabilizou qualquer levantamento realista do número de vítimas. Por outro lado, o estado em que os restos de muitas casas ficaram indica que famílias inteiras podem ter morrido carbonizadas, sem possibilidade de identificação. O rei fez uma opção conservadora na reconstrução do centro no mesmo formato. Apenas deixou as ruas mais largas, o que reduziu o número de residências reconstruídas. As obras demoraram 50 anos, A reconstrução do centro deu origem à atual City londrina. O fantasma da Peste Negra que assombrava a Inglaterra deste o século XIV, ainda estava presente no momento do incêndio, mas agora as ruas mais largas e as casas mais afastadas entre si proporcionaram uma melhoria nas condições de higiene. Foi o começo de uma era de ouro para a cidade.

                                                                            João Jesus Nunes, Escritor

- 08 set, 2021