Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

A Bazuca que disparou Bicicletas! Voltar

Foi anunciado que o governo irá investir 3 milhões de euros da bazuca europeia na aquisição de bicicletas para as escolas com 2.º ciclo do Ensino Básico. Este é um projeto que se iniciou em formato piloto no ano passado, querendo agora o governo expandi-lo a todas as escolas de 2.º ciclo nos próximo quatro anos. Entendo perfeitamente a medida, no entanto há aspetos que me custam a assimilar, talvez seja a minha resistência a certas mudanças. Explico porquê! Aprendi a andar de bicicleta com o meu pai, custou-me alguns sustos, algumas quedas, mas certamente como muitas outras crianças quando me consegui equilibrar sobre as duas rodas, inundou-se dentro de mim um sentimento de orgulho e superação que ainda hoje me recordo. São estes pequenos, mas importantes momentos que fazem as crianças desenvolverem a sua autoestima e autonomia, através de uma relação de proximidade, cumplicidade, afeto e cooperação com os seus familiares de referência. Mais uma vez refiro que não quero ser depreciativo em relação ao projeto, não é de todo o meu objetivo, apenas manifestar alguma tristeza porque é a evidência clara que os pais brincam muito menos com os filhos na rua, empurrando a maior parte dos alicerces de crescimento, desenvolvimento e educação para a escola.

Não posso deixar também de alertar que as crianças em idade de pré-escolar, estão em plenas condições para aprenderem a andar de bicicleta. Parece-me que a aprendizagem desta tarefa motora entre os 10 e os 12 anos, seja demasiado tardia e já fora do período crítico de aprendizagem.

Por outro lado, alegra-me o facto do projeto ter um tónico sentido de cidadania e consciência ambiental, através da educação para a utilização de meios de transporte menos poluentes. Segundo o despacho da Secretária de Estado da Educação e do Secretário de Estado do Desporto, pretende-se assegurar “a promoção do uso quotidiano e responsável da bicicleta, e do ciclismo enquanto modalidade desportiva, segundo as normas de segurança rodoviária e a adoção de estilos de vida ativos e saudáveis e enquadradas com a Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Ciclável”. É sem dúvida um aspeto nobre sob ponto de vista teórico, e em que eu estou completamente de acordo, no entanto quando analiso a sua operacionalidade fico com algumas reticências. E qual a razão desta minha incerteza? Porque, para as crianças perceberem as normas rodoviárias, numa primeira fase até se pode criar algumas representações em recinto escolar seguro e controlado, no entanto, para a sua operacionalização torna-se fundamental levar os alunos para o contexto real. Pressupondo que estou a fazer uma leitura correta das necessidades, sou forçado a levantar uma segunda questão: terão as cidades condições para fazer circular alunos pelas suas estradas? Estou convicto que há muitas cidades onde os profissionais de Educação Física não se vão atrever a sair da escola com um grupo de alunos para praticar ciclismo. E não digo isto pela competência dos professores, ou pela irreverência de alguns alunos. Digo porque, mesmo com muito boa vontade, não é seguro!

 Parece-me fundamental que quem gere o território perceba que as escolas só vão ter pleno sucesso no projeto Desporto Escolar Sobre Rodas, se as cidades criarem as condições para o operacionalizarem. E é urgente! Algumas cidades nem quatro anos têm para o implementar. Atualmente, contruir ciclovias que tenham como linha de partida os portões das escolas, passando por áreas de interesse e áreas habitacionais, nunca fez tanto sentido.

De elogiar também a responsabilidade da tutela em prever a formação de professores, incluir a comunidade, prever organização de eventos para alunos que gostam de competição, mas também considerar aqueles que não gostam de competir.

Fico feliz por ver quem decide ter a coragem de implementar estes projetos, pois é fundamental termos uma população com estilos de vida saudável, um planeta protegido e faz todo o sentido que estas sementes sejam lançadas nos mais novos. Vamos reunir as condições, otimizar os projetos à medida que vão sendo implementados, porque quem ganha é a Natureza de que nós fazemos parte!

 

João Sá Pinho, professor

- 01 set, 2021