O ministro, os jovens, e a tentação de proibir
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“É proibido proibir”, foi assim que os jovens universitários do Maio de 1968 lançaram o mote para uma mudança nos tempos e nas vontades. Este movimento acabou por alastrar a toda a sociedade civil, para surpresa de todos os partidos políticos franceses. Foi por essa altura que o pensador Edgar Morin exclamou “o subterrâneo da sociedade é um campo minado”. As réplicas deste tremor de terra social afetaram o resto da Europa, e Portugal não foi exceção.
Mas 53 anos depois, em 17 de agosto último, quiçá pela calada da noite, o Ministro da Educação Brandão Rodrigues mandou o seu fiel Secretário de Estado exarar o Despacho 8127/2021. Este trata de “ensinar” a todas as escolas do país, e respetivos pais, o que é permitido comer ou não. A formação em ditados populares é uma coisa muito útil: o fruto proibido é o mais apetecido!
As escolas passam a estar impedidas de vender nos bares “bolos ou pastéis com massa folhada e/ou com creme e/ou cobertura, como palmiers, jesuítas, mil-folhas, bola de Berlim, donuts, folhados doces, croissants ou bolos tipo queque;”. É também proibido vender “salgados, designadamente rissóis, croquetes, empadas, chamuças, pastéis de massa tenra, pastéis de bacalhau ou folhados salgados.”
A vontade de proibir não se fica nos bolos e salgados. É também proibido comer nas escolas “pão com recheio doce, pão-de-leite com recheio doce e croissant com recheio doce”. E, claro, fica também proibido comer sandes de “chouriço, salsicha, chourição, mortadela, presunto ou bacon.”
Ao almoço, na cantina, deixa de haver “mousse de chocolate, leite-creme ou arroz-doce”, embora todos saibam que estas mordomias, quando muito, aconteciam uma vez por semana. O Despacho vai mais longe e afirma que, a partir de agora, a água de torneira é obrigatoriamente gratuita, embora se possa vender água de garrafa. O que nos deixa mais descansados.
Não é proibido os estudantes saírem da escola e irem ao café mais próximo comprar todos estes produtos: hambúrgueres, refrigerantes e chocolates. Não é proibido os estudantes saírem da escola e irem ao supermercado mais próximo comprar bolachas tipo belgas, biscoitos de manteiga, bolachas com pepitas de chocolate, bolachas de chocolate, bolachas recheadas com creme e bolachas com cobertura, assim como bebidas energéticas.
A pergunta que se impõe é, será que os estudantes vão continuar a frequentar os bares das escolas? Não seria melhor educar em vez de proibir? Ou, para os indefetíveis da proibição, não seria melhor os espaços comerciais estarem proibidos de vender todos estes produtos a jovens com menos de 18 anos? Não teria sido mais educativo manter alguns destes produtos mas limitar as quantidades semanais que podiam ser adquiridas, sabendo nós que as escolas usam cartões para pagamento, a limitação por aluno era fácil de conseguir.
Por outro lado o Despacho esquece que, para os jovens oriundos de camadas sociais mais desfavorecidas, o arroz doce que comiam na cantina, uma ou duas vezes por mês, era o único que os seus pobres estômagos viam. Assim teremos um país mais desigual, onde quem pode vai ao café e quem não pode nem um pão com chouriço, a preço reduzido, pode comprar no bar da escola.
É que educar é mais difícil do que proibir, e custa mais dinheiro. No Despacho falta anunciar o financiamento adicional que as escolas receberão para comprar o tomate e a alface fresca, a que deverão adicionar o atum em água, já que o tradicional atum em azeite também foi proibido. E falta também anunciar o financiamento extra para contratar mais funcionárias, para os bares das escolas, e que são necessárias para fazer todas essas sandes à mão. Isto no espaço de poucas dezenas de minutos que duram os intervalos, e para centenas de alunos. Sim, proibir é muito mais fácil do que educar. Há certamente mudanças alimentares que os jovens têm de interiorizar, e isso começa na família. Mas, quando os país elogiam esta medida enquanto lancham “mil-folhas” na pastelaria com os filhos; o que devemos dizer?
De fato esta medida apenas contribui para os jovens deixarem de comer o tradicional pão com chouriço, na escola, para irem comprar um ”Bollycao” ao comércio mais próximo. Educar custa dinheiro, proibir não! Mas depois não se admirem quando redescobrirem que “o subterrâneo da sociedade é um campo minado”. E no próximo ano acaba a bola de Berlim na praia?
José Páscoa, Professor Universitário