Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Fazer cumprir a lei do ruído na cidade Voltar

Não é um exagero, é o reconhecimento de uma realidade do quotidiano da nossa cidade: o ruído, em todas as suas modalidades, contextos e graus de intensidade com que é produzido, ameaça tornar-se numa outra pandemia, com efeitos gravíssimos no bem-estar, na tranquilidade das pessoas e das famílias, no descanso principalmente noturno e – muito importante! – na saúde física e mental da população urbana. Não, não há exagero nenhum em reafirmar: além da Pandemia que a todos presentemente afeta, surgindo vem no horizonte a Pandemia do Ruído! Perante isto, coloca-se a urgência de, antes que seja tarde, enfrentar o problema e tomar as medidas e providências indispensáveis. Legislação, Regulamentos e até Acórdãos Jurisprudenciais não faltam. Mas isso, como sabemos, é a norma em Portugal. A exceção é o seu cumprimento e observância. E os responsáveis, embora distintos nas suas competências, mas nem por isso menos responsáveis e chamados a cooperar entre si, também estão identificados.

Como se disse, os contextos do ruído são múltiplos e variados: no interior dos prédios até altas horas da noite; nas esplanadas; no interior de alguns bares e discotecas, enfim, em espaços públicos onde ocorrem verdadeiros ajuntamentos onde o impudor da falta de respeito por quem descansa de um dia de trabalho ou que tem de se levantar cedo para voltar para as suas lides é a norma. Já para não falar dessa agressão frequente que são as motos – e por vezes os «motards» - que fazem jus ao seu direito, não de circular mas sim de o fazer com o prazer ostentatório e patenteado acompanhado de muito, muito, muito ruído. Há nos prédios e habitações circundantes pessoas, algumas muito idosas que calam o sofrimento que lhes é causado tomando medicamentos a esmo para dormir? Que importa isso aos «egos» hedonistas dos inconscientes? Ah! É preciso trabalhar, ir produzir riqueza porque o malfadado «PIB» está baixo e é preciso liquidar uma dívida galopante com que o País se defronta. Pois é. E o descanso noturno – e diurno! – dos que trabalham, inclusive em regime de teletrabalho?

Falemos dos responsáveis. Os primeiros são os responsáveis camarários, sobre os quais impende o cumprimento do Regulamento Geral do Ruído e até a medição do fenómeno. A propósito: como vamos de ruído na Cidade? Saberão os senhores autarcas – e já agora aqui fica o desafio para os candidatos ao próximo mandato – que se o Investimento Económico é necessário e muito, esse mesmo investimento não será, no limite, rentabilizado com pessoas que carregam com doenças físicas e, principalmente, mentais, cujas causas nos escapam muitas vezes mas a que não será alheio de todo o fenómeno galopante do Ruído? Se calhar não sabem, reféns como estão do produtivismo que prevalece por sobre as pessoas. Até porque, calhando, até residem em zonas tranquilas da cidade e vivem, afastados e indiferentes, na ignorância dos problemas que afetam a maioria.

Vêm a seguir as autoridades policiais, que se queixam da falta de meios e muitos outros entraves. Mas estas duas importantes autoridades atuam, claramente, de costas voltadas, prazendo-se num verdadeiro jogo do empurra. A Câmara, se calhar, até gosta de todo este frenesim e agitação consumista, pois isso traz receitas, taxas e taxinhas que, a juntar ao IMI e ao IMT, vão recheando os seus cofres. A PSP queixa-se da falta de meios e, quando confrontada sobre o destino dos seus relatórios «empurra» para a Câmara, que, por sua vez, quando questionada sobre o destino dado aos mesmos relatórios sacode a responsabilidade, dizendo que nada de relatórios lhes chega…E andamos nisto. Ou seja, aquelas entidades de quem esperamos proteção e garantia de tranquilidade de nada se esquecem…exceto das pessoas!

O que fazer? Em primeiro lugar, reconhecer a existência deste cada vez mais grave problema, como problema real do nosso quotidiano; depois, classificá-lo como problema que afeta milhares de pessoas de todas as idades. Por fim, senhores: sentem-se, Câmara, PSP, Associação de Estudantes da UBI e Associações Empresariais, à mesa para o discutir em todos os seus contornos e decidir medidas que atenuem – pelo menos que atenuem! – o Ruído na Cidade. Sentem-se, sim, mas não de costas voltadas…E, já agora, enquanto não se sentam – se é que vão chegar a sentar-se – aproveitem para ler, nestas férias, o livro de Erling Kagge intitulado “Silêncio na Era do Ruído”, edição da Quetzal.

- 14 ago, 2021
- António Assunção, professor