«Todos os néscios confundem valor e preço.»
Machado y Ruiz, António
Os meios de comunicação cumulam de louvores os criadores de riqueza, os políticos, as figuras de suposta elevada posição social como se tivessem de ser admiradas e beatificadas. Mas quem determinou está criação de valores? Quem extraiu valor deste comportamento? Como é medido o valor ou a sua destruição? E se tudo isto for uma grande mentira?
O que é um valor? É tudo ao que atribuímos significado ou valor às coisas do mundo, isto é, para além de não revelarmos indiferença face aos acontecimentos do mundo também lhes conferimos valor, criamos escalas hierarquizadas de preferência e formulamos juízos de valor, com pendor subjetivo, em função da utilidade, da estética, da moral ou outro critério que nos interesse.
A propósito da natureza humana, vemos que somos confrontados com uma vida essencialmente prática, que consideramos mais importante porque cada um de nós está no mundo para viver, lidar com as coisas, passar por situações, avaliar, aceitar, rejeitar, sobreviver e resolver problemas que a transportam para uma preocupação mais teórica: onde não se pode passar no mundo sem os outros cujas relações o obrigam a hierarquizar os seus valores, a desenvolver a sua vida em função dos valores que acabam por se constituírem com uma central de luz orientadora da sua própria vida.
Vivemos rodeados de objetos naturais, artificiais e todos com a possibilidade de os encararmos como factos e poderem ser objetivamente descritos. E aqui optamos pelo que eles valem para cada um de nós e não no seu referencial em si! Esta atividade valorativa, que dá sentido à vida, sem a qual as coisas seriam destituídas de significado, remete-nos para um princípio sofista de Protágoras de Abdera de que “ o homem é a medida de todas as coisas”, ideia que se opõe a princípios absolutos e imutáveis, seja no âmbito da verdade ou dos valores. É como se as condutas do ser humano variassem de localidade para localidade, de cultura para cultura, de pessoa para pessoa, remetendo-nos par um relativismo dos valores...
É óbvio que as sociedades diferem umas das outras, pelo que os indivíduos que pertencem a uma cultura podem sentir estranheza ao contactar com indivíduos de outras culturas, chegando ao limite de acharem a sua cultura como a melhor de todas. Aqui deparamo-nos com uma atitude etnocêntrica, com consequências que produzem uma certa incompreensão o que leva os indivíduos a não aceitar os que vivem segundo padrões diferentes dos seus e, em simultâneo, criando, negativamente, sentimentos de superioridade cultural que podem contribuir para o aparecimento de fenómenos de xenofobia, de racismo e chauvinismo, quando deveria ser interculturalista, promovendo o respeito pelas outras culturas, com propostas de diálogo que possam beneficiar todos na procura de soluções para grandes problemas da humanidade.
O ser humano terá que se convencer que nenhum ser humano se pode encerrar no seu umbigo, no seu espaço privado, país, cultura, mas abrir-se ao outro, às pessoas dos outros países, partilhando e vivendo valores que promovam a igualdade de facto - porque os problemas da natureza humana não são exclusivos de uma nacionalidade ou de uma cultura, já para não falarmos na incapacidade de um só povo lhes conseguir por cobro!
Todos nós somos herdeiros de características comuns a todas as culturas, porque ela é um modo de adaptação, de resposta ao meio para satisfazermos as nossas necessidades primárias, um conhecimento teórico-prático transmitido pela coexistência de gerações, uma forma de agir obtida dos modos de vida dos nossos antepassados, é sempre um lugar aberto à inovação pelas gerações, um fator de humanização e um sistema de símbolos partilhados. Não me diga que é um ser humano daquele que habitou a terra há 100 000 anos ou que não tem um propósito de vida?!
A natureza humana tem que valorar segundo o princípio da dignidade humana, promover o respeito pelas pessoa e condenar tudo o que for um atentado à mesma, o princípio da fundamentação consensual sobre o que se considere o que se deve ou não ser feito e o princípio democrático, caso haja desacordo, o valor deve residir no que for partilhado pelo maior número de pessoas, ou como diz Milan Kundera, no livro A insustentável leveza do ser[1], «o valor de um ser humano reside na capacidade de ir além de ele próprio, de sair de dentro de si próprio, de existir dentro de si próprio e para as outras pessoas»
Carlos M. B. Geraldes ( Ph. Dr.)
[1] Kundera, M, A insustentável leveza do ser, Editora Leya, Col. Bis, 2014
- 12 jul, 2021
- Carlos M. B. Geraldes