Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Bora lá relaxar Voltar

Lá vai o tempo em que por aqueles anos de 2006, e seguintes, a caminho da crise cada vez mais prenunciadora, me insurgia nas páginas dos habituais periódicos regionais, e não só, pela vivência por que todos passávamos então.

Ora nesses tempos até era um risco tomar determinadas posições face à vida profissional, mas, como jamais temi assumir a minha forma de pensar, tive o privilégio de ouvir dizer de alguns serem meus leitores atentos.

Na confidência com amigos, por vezes abordava-os como é que viam a minha conduta pelas bandas onde trabalhavam. Se, no pensamento de que fosse leninista, logo me escancaravam a porta de que era visto como muito mais que isso. Não me importunei com a opinião recolhida porquanto, embora não corporizando tal tendência, o que é certo e verdade é que não era nem nunca fui de direita. Preferia, sim, ser um cidadão “às direitas”.

A procissão dos que, logo no adro, se perfilavam para tomar lugar nas primeiras filas dos chicos-espertos, e de alguns jotas de forçada habilidade, no imediato começaram a deixar marcas nos muros para onde subiam, sempre na espreitadela de ver para que lado deveriam saltar.

E assim se foram passando, e continuam, as diatribes de disputa de lugares de topo, com ou sem ventos contrários, para que se consiga agarrar a oportunidade de ficar mais próximo do palanque.

Estamos no país das maravilhas. O Novo Banco apresentou prejuízos de 1329 milhões de euros mas quer novamente distribuir pelos administradores quase dois milhões de prémios, a pagar em 2022. Cavaco Silva acusou o PS de continuar a alimentar “monstro” da despesa pública, mas esqueceu-se das suas patrióticas administrações da Nação. Mentecapto.

O melhor é bora a “esplanadar”. Nas últimas semanas assistimos a verdadeiras romarias pelas ruas das cidades, aldeias e lugarejos. Mesas das esplanadas cheias ou quase repletas, literalmente à procura de um lugar. Enchentes aqui e ali, com a primavera a convidar, sedutora. Pois é, “esplanadar” é ótimo e a restauração agradece. Assim, por exemplo, pode-se falar da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção. E, mais uma das maravilhas: de fora do decreto-lei ficam os gabinetes dos principais órgãos políticos e todos os órgãos de soberania, assim como o Banco de Portugal. Trata-se assim de uma mão cheia de nada, outra de coisa nenhuma, nas palavras da psicóloga clínica Joana Amaral Dias. Também, conforme refere um meu amigo sobre a garantia das pensões, “Em Portugal, país do Fado e das Cigarras, ninguém pensa a 20 anos, muito menos quem o deveria fazer, a classe política na qual os cidadãos votam precisamente para que o façam. Não há um só político que pense a mais de 4 anos. Só o estritamente necessário para ganhar a próxima eleição”.

Fico com esta máxima de Aristóteles: “É fazendo que se aprende a fazer aquilo que se deve aprender a fazer”. Concluo com uma breve narrativa, de sua boa memória, dum meu adorável vizinho. Corria o ano de 2017. Ao sairmos de nossas casas encontrei-me no patamar do prédio com o meu vizinho que descia do seu andar. De imediato dirigiu-se-me com voz forte e algo endurecida:

- “Sabe que dia é hoje?! Sabe que dia é hoje?!”

- “Hoje?... Porquê?...” Respondi-lhe, de certo modo estupefacto.

- “Não sabe?! Não sabe?!” insistiu o vizinho.

- “Só se for por ser o Dia de São Pedro!...” – respondi-lhe.

- “É só para o lembrar que faz hoje 45 anos que fui castigado na Guarda, no RI 12, porque você estava de ronda e pediu-me a dispensa de recolher. Como não a tinha, mandou-me apresentar ao Oficial de Dia e depois, eu… que nunca tinha feito um serviço porque era radiotelegrafista, acabei por ser castigado com serviços de plantão”.

- “Olha para o que você se havia de lembrar, volvido tanto tempo! Eu já nem me lembrava disso mas fez-me agora avivar a memória. Foi apanhado irregularmente porque alguém nos havia avisado dessa irregularidade”.

Ora aqui está uma situação que serve para hilariar nestes tempos em que pretendemos que se rasgue definitivamente o véu dos confinamentos desta maldita pandemia. Como o meu vizinho certamente ficou aliviado da carga de encoberta raiva que sobre mim lançara, descarregando suas mágoas de muitos anos, e que eu desconhecia, fico satisfeito de o ver agora mais alegre e simpático. Por isso, bora lá a relaxar!

- 08 jun, 2021
- João Jesus Nunes