“É preciso uma legislação mais humana para os cuidadores”
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«Ao Colo de Virgílio» é o seu novo livro. O que retrata?
Neste livro retrato a vida de um homem que é cuidador da sua mãe, depois de ter sido da mulher, do sogro e do pai. Mas também retrato o país porque a minha literatura sempre foi de crítica social, atenta aos fenómenos que alienam a vida dos portugueses. Aqui, falo dos jogos de azar e das raspadinhas, mas também da maior conferência da Europa em tecnologias, a Web Summit, que se realizou já várias vezes em Portugal, movendo milhares de pequenas e grandes empresas centradas na tecnologia da Internet. E depois há muitas alusões a assuntos contemporâneos porque os meus romances vão em todas as direções.
Há algum motivo especial para retratar esta história?
Baseei-me na vida do meu amigo Hélder Santos que cuidou da mulher durante dez anos e de outros familiares antes dela. Como o exemplo deste cuidador é inusitado, resolvi fazer um livro porque os cuidadores informais pertencem a um batalhão silencioso e invisível de que ninguém fala. O caso do meu amigo pode ajudar muita gente a constituir-se cuidador, sem vergonha nem alibis de qualquer ordem. Esta minha obra otimista também pode dar forças a alguém para suportar a dura tarefa de ser cuidador. Lembre-se do que eu digo no meio do livro, que «é mais difícil cuidar do que amar».
Virgílio teve uma vida de abnegação, que colocou ao cuidado dos outros. Primeiro do sogro, depois do pai, a seguir da mulher e depois da mãe. Neste livro acaba por fazer-lhe uma homenagem e nele acaba por homenagear todos os cuidadores informais?
Faço uma homenagem ao Virgílio Quintela e, do mesmo modo, imortalizo o meu amigo Hélder Santos. Mas também homenageio a minha mãe e a minha irmã que cuidaram do meu pai doente durante um ano, a minha companheira Teresa que cuidou da sua madrinha acamada e numa cadeira de rodas durante três anos. E, claro, todo o milhão e duzentos mil cuidadores que existem hoje em Portugal, um número que duplicou no espaço de um ano com a pandemia.
Os cuidadores informais, a bondade e a dignidade humana são alguns dos aspetos abordados. Considera que os cuidadores informais têm sido «descuidados» pelo Estado que insiste em não lhe reconhecer esse «estatuto» e lhe atribuir direitos para que possam cuidar das pessoas que gostam?
No meu livro, a bondade também está presente em todos os capítulos porque o Virgílio Quintela é um homem extremamente bondoso com os outros, ajudando os necessitados e dando dignidade humana aos vagabundos, aos deficientes, aos artistas que lutam pelo seu reconhecimento e até a uma moribunda. O Estado até agora atuou timidamente com este problema que é um dos maiores do nosso tempo. Deu migalhas e continua a arrastar o tema com a barriga. O estatuto do cuidador deve ser dado sem burocracias nem entraves. Por outro lado, o cuidador deve receber um apoio financeiro digno, de acordo com o formidável trabalho que executa de uma maneira permanente. Os 248,20 euros atuais são uma ninharia. Em França, no ano de 2030, um ativo em quatro será cuidador. Em Portugal, a situação está explosiva, de alarme, e vai piorar, e é por isso que os eleitores e os partidos políticos devem pressionar o governo atual para haver rapidamente uma legislação mais humana sobre este problema.
Já tem apresentações do livro marcadas na região da Cova da Beira?
Sim. Dia 15 de maio, às 15h, 30, na Biblioteca Municipal da Covilhã, com apresentação de Fernando Paulouro Neves. Também neste dia, às 18 horas, na Biblioteca Municipal Eugénio de Andrade do Fundão, com apresentação de Mário Fernandes e Paulo Fernandes, presidente da Câmara Municipal do Fundão.
Está a publicar, em média, um livro por ano. Que projetos futuros tem idealizados?
Escrevo todos os dias, pois é a minha vocação e a minha maneira ética de estar presente no espaço social. Sou um escritor político, recordo.
- 11 mai, 2021
- Ricardo Tavares