Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Valerá a pena salvar esta democracia? A desconsagração da democracia ou o povo é quem paga a conta!? Voltar

 Parte IV - Democracia: Uma mão cheia de nada que é tudo. Valerá a pena salvar esta democracia?

 A desconsagração da democracia ou o povo é quem paga a conta!?

Quando lançámos o olhar para os meios de comunicação sentimos que cheira a sinal de inquietação, de mudança, de sintomas que denotam a vulgarização de uma grande frustração em partes importantes da sociedade portuguesa, ou seja, indicativos de que não se tem nenhuma segurança sobre o próprio futuro e de que a experimentação da pobreza, na vida, começa a ser um facto e a queda da irrealidade, assente e alimentada em ilusões de que se vive num pais com elevado desenvolvimento económico, social e administrativamente funcional e justo, que, infelizmente, não existe, está a transformar-se num penoso despertar para a realidade!

Este paciente é o resultado das fantasias de um modo de governança de Estado que age vivendo no seguidismo, vontade oposta às necessidades reais, no cantarejar de uma retórica demagógica e populista que é rainha nos meandros do agir político, do declínio político, do desfasamento que ocorre entre as instituições e as necessidades presentes, já para não relevar uma certa banalidade de agentes políticos, apesar de alguns serem competentes, que procuram sobretudo sobreviver e prosperar dentro do sistema, vivendo num estado de paranoia obsessiva, devoradora e permanente, quanto aos falsos passos que podem precipitar a sua queda: vagueiam sozinhos como cães de guarda e cãezinhos de estimação, o que faz supor a ideia de que os partidos políticos são recipientes vazios à espera de serem enchidos por um qualquer líder popular, com origem num elitismo mudo, irresponsável e muitas vezes pouco preocupado com os interesses públicos gerais…

                Ora é todo um convencionalismo, mainstream, político como o nosso, que insiste na ideia de um o povo que se ilude com a pouca exigência cívica dos bonitos e popularuchos discursos, promessas de “lana-caprina,” que o observa a mourejar quando não há o efeito de responsabilização dos seus atos, e que se coloca de cócoras ante uma administração pública deficiente mas que chega para o eleger com o seu voto, independentemente do nível de abstenção nas eleições - porque o povo é quem paga a conta!

Associado ao referido, o esboço é cada vez mais desolador com o uso de tecnologias para produção de “fakenews”, invenção de estórias conspiratórias e fabricação de mentiras com a clara intenção de denegrir biografias e destruir reputações. A intolerância, como arma de persuasão política, é um perigo fatal para as democracias que transformam adversários políticos em inimigos a serem destruídos a qualquer preço. Este novo modelo disfarçado de democracia que dispensa armas e golpes de estados militarizados porque os candidatos são aceites e criados dentro dos partidos políticos, logo, em vez de agirem segundo um Ethos libertador e humanizador, procuram com toda a desfaçatez de falso angelicalismo depreciar o estado democrático. Aqui atente-se ao facto de podermos inferir que os partidos políticos permitiram e permitem o surgimento destes agentes (anti) democráticos, esquecendo de que são eles, os partidos, os verdadeiros guardiões da democracia. Algo estranho parece germinar no interior dos partidos ao aceitarem populistas declaradamente autoritários, demagogos com interesses especiais (a falta de respeito pelas normas democrática), ressentidos que levam os cidadãos a fazer perder o ânimo pela democracia e, em simultâneo, a ganhar medo do futuro. O pior problema da democracia é que ela desacredite o sistema democrático em si e, pelas razões apontadas, nos faça sentir que o futuro político das democracias não ser nada tranquilizador.

A democracia tem os seus aspetos sombrios, aliás todos nós sabemos que as eleições são livres e justas e, por esta razão, ela pode eleger fascistas, comunistas, separatistas, tiranos, anarquistas, caudilhos e etc. Isto é, a democracia tem os seus pés de barro quando se procura ser justa acaba por eleger pessoas de viés totalitários ,como é o caso de Chaves, na Venezuela, Erdogan, na Turquia, Orbán ,na Hungria, Putin, na Rússia, Jaroslaw ,na Polónia, como na Bielorrússia, Tailândia( e etc…), que começaram a governar por meio de eleição e, com discursos de força, guinaram rumo ao autoritarismo, abandonando a ação democrática para governar de forma autoritária: é como abrigarmos em casa uma pessoa que ameaça matar a família!

Este é um dos dilemas da democracia: a democracia floresce, a liberdade não. Uma pergunta mais crucial: como é que um partido pode dar guarida, pedir votos e eleger alguém que é explicitamente anti partidário e defende o seu fim?!!

Há pensadores, como Levitsky e Ziblatt[1], que apontam indicadores sobre um certo agir político aos quais devemos estar mais atentos, tais como:

- Uma certa recusa das regras democráticas onde há, muitas vezes, uma manifestação expressa no desejo de violar ou não aceitar o que é comprovadamente limpo e sério.

- Uma retórica assente em acusações mentirosas, falaciosas, procurando desqualificar os adversários com invenções caluniosas e difamações, sem fundamento, de modo denigre a vida

- Tolerância ou encorajamento ante comportamentos desajustados para com o Estado de direito democrático, isto é, ataques aos adversários e a organizações lícitas e elogios a ações de “chico-espertice” entre os pingos da lei, factos violentos ocorridos no passado, tais como elogiar ou apoiar governos e regimes reconhecidamente criminosos.

- Propensão a restringir liberdades civis dos oponentes, inclusive dos meios de comunicação por meio de apoios explícitos, ameaças veladas e ações punitivas contra os seus críticos e escrutinadores, seja no campo da política partidária, na sociedade como um todo e ou nos meios de comunicação.

Há, de certo modo, um relaxamento da sociedade no que concerne ao exercício de uma cidadania efetiva, assente na humildade consciente de que nem eles nem as autoridades sabem tudo, e escrutinadora do agir político, não obstante a democracia pressupor uma mútua tolerância que, em resumo, significa: “enquanto nossos rivais jogarem pelas regras institucionais, nós aceitaremos que eles tenham o direito igual de existir, competir pelo poder e governar. Podemos divergir, e mesmo não gostar deles nem um pouco, mas os aceitamos como legítimos. Isso significa reconhecermos que os nossos rivais políticos são cidadãos decentes, patrióticos, cumpridores da lei – que amam nosso país e respeitam a Constituição assim como nós”.

O terreno da democracia é um terreno que faz medrar maus hábitos de cidadania ao ponto de a educação deixar muito a desejar e instilar falsas virtudes políticas nos jovens que não permitem reforçar as fundações morais do nosso sistema político e reconstrui-lo numa base mais sólida e menos agressiva: como se metamorfoseassem em inimigos da democracia ao apropriarem-se da sua retórica e imitando os seus rituais para ganharem uma guerra “escondida”.

É evidente que o terreno referido é resultado de um certo esquecimento, ou ignorância, por parte dos cidadãos como que muito do que é distintivo no mundo e nas suas vidas é consequência da ideia de democracia: Liberdade do indivíduo face ao arbítrio da autoridade, as vagas democrática, revolução tecnológica, aumento de prosperidade das classes sociais, colapso dos sistemas e ideologias alternativas que se propunham a organizar a sociedade negando a consciência individual, democratização do dinheiro, transformação do consumo, da poupança ou a vantagem dos direitos humanos.

Em último, podemos afirmar que a sociedade democrática carece de novos instrumentos de pilotagem para os tempos modernos e, citando Edmund Burke, a sociedade é uma associação entre mortos, os vivos e os que ainda não nasceram e é preciso um Estado providência moderno, em que a despesa pública tenha um retorno positivo para os cidadãos, o trabalhar um novo significado, não ter medo de reformar os sistemas de proteção social devido às mudanças demográficas, uma nova geografia de destino mental, renovar a fé cívica e não endeusar os tecno otimistas porque a solução não é e nunca será tecnológica.

 

Carlos M.B. Geraldes (Ph. Dr.)

 

[1] Steven Levitsky e Daniel Ziblatt , Como Morrem as Democracias, editora: vogais, Lisboa 2019.

 

 

- 12 mai, 2021
- Carlos M. B. Geraldes