Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

«Já passaram quantos anos desde a última vez que falámos?» Voltar

O Teatro das Beiras estreou na passada semana, a sua nova produção, com o nome «Já passaram quantos anos desde a última vez que falámos», uma peça de Rui Pina Coelho, que teve sempre boas salas a assistir, conseguindo arrancar boas gargalhadas e boa disposição ao público. Esta peça poderia muito bem ser um retrato, daqueles pendurados na parede em que identificamos logo quem se pretendia ver desenhado pelos traços. Afinal, representa de forma muito fiel o quotidiano atual, em todas suas vertentes: a existência assumida de uma pandemia, a dificuldade atual que qualquer jovem tem de arranjar trabalho e integrar-se na sociedade, a dificuldade de criar relacionamentos sérios e duradouros, teorias da conspiração sobre o final do mundo ou a razão de ser de certas coisas inexplicáveis até então… E apesar do excelente conteúdo, passado ao público através de uma linguagem brilhantemente pensada, e depois executada pelo elenco (Fernando Landeira, Sílvia Morais, Susana Gouveia e Tiago Moreira), é na forma que reside um dos maiores segredos para uma peça tão bem sucedida. A forma como se conta, desde Janeiro a Janeiro do ano seguinte, com o tempo a passar e ser anunciado por cima das suas cabeças, dá-lhe uma sequência lógica bem construída e ainda por cima com uma aposta declarada num tom humorístico na proporção ideal.

Esta peça, inspirada em «O tempo e a ira», de John Osborne, ganha ainda com as interpretações brilhantes dos quatro atores, que conseguem uma das maiores proezas a que se podiam propor: tornar as cenas tão reais e bem sequenciadas entre si, que quase parecíamos estar a ver um filme já gravado antes e nunca um espetáculo ao vivo e a desenrolar-se no momento, como estava de facto a acontecer. Diálogos bem construídos, e que usam o humor e a ironia para caracterizar os jovens-adultos de hoje, e monólogos que nos pesam cá dentro, de tão reais que se tornam, dadas as semelhanças com o que nos vai acontecendo regularmente, gerando também sentimentos e revoltas semelhantes.

Leve na forma de apresentar, denso no conteúdo a ser apresentado, existe aqui uma conjugação perfeita de quem gosta de ir ao teatro para ir e esquecer o mundo fora da sala, mas ao mesmo tempo refletir sobre quem somos e para onde vamos a seguir, principalmente se estivermos ou estivermos a ficar presos de nós mesmos. Uma das melhores produções da companhia covilhanense dos últimos anos.

- 05 mai, 2021
- Fernando Gil Teixeira