Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Esta Páscoa foi muito triste Voltar

A Páscoa já é passado. Mas a pandemia e os seus efeitos não se podem esquecer. Está, de facto, bem presente nos nossos corações. Foi mais uma época festiva que ficou na memória dos nossos idosos, desta feita, de forma negativa.

Era suposto que, por esta altura da celebração da morte e ressurreição de Cristo se falasse de amor ao próximo, de concórdia, da prática do bem.

A verdade é que, no atual estado em que as coisas estão, tudo não passa de teoria, num país moribundo como o nosso onde há apenas lugar á revolta e ao descontentamento.

Vivemos num egoísmo puro, de total ignorância, quando nos perdemos a discutir o estado da nação, das nossas equipas de futebol favoritas, da meteorologia do dia, olhando, apenas, para o nosso umbigo e ignoramos a solidão vivida pelos nossos “meninos da idade maior” que caminham silenciosos e de cabeça baixa pelos passeios, jardins e ruelas das suas residências, envolvidos na sua tristeza, porque ninguém quer saber deles.

Ninguém se apercebe que a solidão e a carência afetiva tornam ainda mais doloroso o seu envelhecimento.

Enquanto os nossos governantes discutem e aprovam as suas benesses salariais, os apoios a bancos falidos mas com interesses próprios, a justiça que não existe, a vacina da Covid que não chegou a tempo mas que os despreocupa porque os destinatários são os mais velhos, a classe mais avançada, mais cansada, mais idosa, continua a caminhar, a passos largos, para o total abandono, para a morte anunciada e, diga-se mesmo, antecipada.

Sabemos bem que, na nossa sociedade, o idoso não é visto como um ser humano, mas como um encargo familiar e social, como um fardo bem pesado. Daí o desinteresse e a ignorância a que o estado os continua a sujeitar. 

Todos temos consciência de que um dia entraremos na velhice e, para trás, ficam as recordações, as coisas boas e más de uma vida dura e difícil, com a certeza de que muito ficou por fazer.

Que os nossos governantes e o povo português despertem para esta triste realidade e que permitam que todos os dias sejam de ressurreição, não só de Cristo, mas também das nossas consciências.

Num estado de direito deveria ser obrigatório proporcionar aos idosos uma velhice digna, com total prestação de cuidados de saúde eficazes, com garantia de entrada em lares, que reúnam qualidade, carinho, boa alimentação, bons tratos, afetos e amor.

Mas, mais do que isso, é fundamental que sejam dadas às famílias as necessárias condições para os incluir no seu seio, evitando-se, desta forma, o seu abandono, nas próprias casas ou na rua, fugindo à solidão que tanto os atormenta.

A pandemia da Covid -19 veio, de facto, destabilizar as rotinas dos mais velhos que estão institucionalizados em lares e residências para seniores.

Nesta fase da crise, em que se verificou um significativo aumento diário de pessoas infetadas, foi fundamental cumprir com todos os procedimentos recomendados pela Direção Geral de Saúde (DGS) para que essas instituições pudessem continuar a ser um dos locais mais seguros para os idosos.

Apesar de tudo, foram muitas as estruturas onde se verificaram epidemias assustadoras, onde tiveram de ser implementadas rigorosas medidas, na área da saúde, com constante atuação a todos os níveis.

Mesmo assim, foi possível e mesmo necessário oferecer aos seus utentes a prática de atividades socioculturais e/ou físicas, que chegaram a estar suspensas, face às restrições determinadas por lei.

Continua agora (mais do que nunca) ser necessário proporcionar momentos de alegria e descontração, particularmente no cenário de crise de saúde pública que, atualmente, estamos a viver.

O esforço dos trabalhadores dos lares continua a ser constante e de muita dedicação. Em condições normais, esses colaboradores já têm o seu quotidiano profissional totalmente preenchido com as tarefas do dia-a-dia.

Neste contexto de crise, tanto os colaboradores, as chefias e os seus dirigentes diretos estão, como se comprova, sobrecarregados com o cumprimento dos cuidados redobrados no que se refere à higienização, à saúde, à organização/adaptação dos serviços, ao controle financeiro de gastos e despesas correntes extraordinárias, etc.

Para que os mais velhos não se sintam ainda mais angustiados pelas quebras das rotinas a que estavam habituados, é, agora, possível, com as novas regras da pandemia, que o idoso institucionalizado possa sair das instalações e fazer o seu habitual passeio.

As medidas de confinamento representaram, até agora, um elemento adicional de ansiedade, pelo que foi essencial que os idosos se distraíssem, com atividades e que se sentissem envolvidos neste período de quarentena, sem fim à vista.

Por um lado, é possível que estes tenham mais dificuldade em dormir e em se sentir relaxados, uma vez que todos os pensamentos estão monopolizados com o medo de contrair um vírus potencialmente mortal. Por outro, neste contexto, existe pouco tempo e indisponibilidade por parte dos funcionários dos lares, para os manterem envolvidos em atividades diversas e animados.

Todos devem sentir-se envolvidos e acarinhados em toda esta fase, agora mais do que nunca.

É necessário compensar as carências emocionais decorrentes da suspensão das visitas de familiares e amigos. A ausência do animador sociocultural também pode ter um impacto negativo, pois este é, muitas vezes, encarado como um amigo, um confidente e até conselheiro, fazendo também parte das suas funções, estar disponível e presente nas suas vidas, dando-lhes a atenção e o carinho de que eles tanto precisam.

Desse modo e nesta fase, o mais significativo é garantir que os seniores se sintam emocionalmente seguros e manter os laços de solidariedade entre o grupo. No mínimo, devem ser incentivados a participar ativamente na proteção individual e na de todos e ter consciência da importância que tem o respeito das regras extraordinárias que foram impostas para o seu próprio bem.

Estamos agora numa fase de transição em que todo o cuidado é pouco para evitar uma nova vaga que, nos nossos “meninos da idade maior” seria desastroso, preocupante e mesmo incontrolável.

Não queremos que aconteça nada. Queremos, isso sim, que os nossos seniores possam sentir nova felicidade e gosto pela vida, podendo-se abstrair das preocupações com a Covid e lutar, isso sim, por melhor qualidade de vida.

A esperança é sempre a última a morrer, mas, mesmo assim, nesta fase, é muito difícil conseguir mantê-la quando a luz ao fundo do túnel ainda não é totalmente verde.

Tenhamos todos muita fé no amanhã, porque continuamos a acreditar na verdade divina e na mão celestial porque, de facto, esta Páscoa foi mesmo muito triste.

- 05 mai, 2021
- António Rebordão