Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

Um bom fim-de-semana Voltar

 

Há aqueles fins de semana que por serem diferentes nos fazem sentir afortunados. Neste que passou, a música mais uma vez deu-me essa benesse. Tive a sorte de, com o Coro Misto da Beira Interior, fazer um concerto para duas pessoas, numa aldeia que não seria no fim do mundo mas mais um cruzamento e lá estaria eu. Contei mais gatos que pessoas e como estes felinos não batem palmas fiquei com o sorriso do duo que assistiu que vale mais que mil aplausos. Parto sempre do princípio de igualdade, e num vilarejo, o direito à cultura nunca poderá ser inferior ao de uma cidade nem que não seja pelo facto de pagarem os mesmos impostos. E estas pessoas, simples no trato e sensíveis na perceção merecem todo o nosso empenho. Diziam-me que não percebiam nada de música, mas já vi muitos a fazerem-se de entendidos e são estes últimos o expoente máximo da ignorância e não os primeiros. Continuando na simplicidade, um dia antes, cantamos para vacas. Teve tanto de entusiasmante como de incrível. Aproveitando um ensaio do coro ao ar livre na Quinta do Tapado resolvemos premiar os bovídeos por lá presentes. Começamos com uma peça popular e o público, vacas e bois, ficaram completamente parados a ouvir e em silêncio. Nem um “muuuuu” se ouvia. Nem um telemóvel tocou. Entusiasmados com a reação destes mamíferos resolvemos cantar Bruckner. Vexila Regis foi a peça. Eis que os animais avançam em manada em direção a nós e param todos encurtando a distância de forma considerável. Simplesmente arrepiante. Concluí que vacas e bois gostam de Anton Bruckner e de música sacra. Animais cultos. A meio da obra há um boi que resolve cobrir uma das vacas e que me fez concluir que a música deste compositor austríaco pode ser afrodisíaca. Mas pensando de forma menos entusiástica talvez o dito boi quisesse ver melhor o coro e empinou-se na amiga da frente.  Tentou a habilidade várias vezes mas sempre na mesma amiga, talvez por ser consciente e saber que nestes tempos de pandemia não deve andar em festanças. Na minha carreira já interrompi concertos por duas vezes por não haver silêncio no público. Não imaginava que vacas e bois pudessem estar num nível superior a alguns seres humanos…letrados. Para acabar em beleza e começar um domingo em perfeição nada como regressar à quinta e cantar para ovelhas. Para uma sociedade que gosta de começar o Dia do Senhor e da Família  num qualquer centro comercial isto pode parecer estranho e frustrante pois as ovelhas não estavam à venda e muito menos o pastor aceitava multibanco que são logo duas coisas bizarras.  Mas para nós, “normais”, foi mais um momento que a memória terá dificuldade em apagar. Sentados num prado, verdejante verdadeiramente, e rodeados de cerca de 300 ovelhas, tivemos a possibilidade de uma experiência que para além de única nos aportou alegria.  Momentos houve em que parte do rebanho se misturou com os elementos do coro sendo que no restante tempo não estavam distantes de nós mais de um metro. Havia uma delas que era quase humana pois balia sempre nas pausas como aquela malta que fala em voz alta durante os concertos e de repente o coro ou orquestra têm uma pausa e ficam sozinhos a expelir decibéis. Pareceu-me uma ovelha pouco habituada a concertos embora nunca tivesse dado conta que tenha utilizado o telemóvel ou que balisse continuamente para a colega do lado. Malta porreira estas lanudas. E assim foi o meu fim de semana. Peço desculpa se vos faço inveja. Não é por mal.

- 03 jul, 2020
- Luis Cipriano