Histórias de superação: Quantas cores tem afinal o arco-íris?
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REPORTAGEM. O Jornal Fórum Covilhã traz-lhe seis histórias diferentes de alunos da Universidade da Beira Interior. Histórias de superação e de batalha por algo que devia ser um dado adquirido na vida de todo nós, a aceitação da diferença e o respeito pelo outro
A luta por toda e qualquer liberdade é um processo duro, demorado e muitas vezes inglório. Sabemos que muitos dos que lutam acabam por ter um papel determinante para mudar o Mundo, mas essa mudança só acontece quando «já se foram». Foi assim relativamente a tantos direitos que hoje consideramos como um dado adquirido. E é assim que a comunidade LGBTQI+ tem travado a sua própria “luta” de afirmação e principalmente de aceitação pelos outros, como se a sociedade tivesse a função de aceitar alguém apenas por ser como é.
As histórias destes seis alunos da Universidade da Beira Interior são um contributo para essa mesma luta e são histórias de superação, de alguém que para poder ser como é teve de passar por muito, quando sermos como somos deveria ser sempre a coisa mais fácil de sermos. Afinal ser diferente do que os outros consideram normal tem algum mal? Bruno afirma que ser diferente significa “ter liberdade de expressão” e que isso o torna único. “Reflete a minha personalidade, estado de humor”. David diz que “todos somos únicos à nossa própria maneira”. “Em certos momentos da minha vida foi difícil mostrar como sou, era bombardeado com críticas negativas que me levaram a acreditar que eu que estava errado” confessa, mas agora garante “conseguir ter a possibilidade de mostrar quem realmente sou, sem ter medo de ser criticado por quem não compreende o que passou”. Alexandra garante que se a consideram diferente, ainda bem porque é assim que é “ela própria e feliz”, com o seu “próprio estilo” e o seu “próprio gosto”. Leonor refere que “um ser humano é rico pela sua diferença” e que muitas vezes é mais “uma luta interior e um aprendizado para nos aceitarmos”. Para Eduardo, “somos todos iguais, independentemente da nossa orientação sexual, identidade de género.”. Considera-se “uma pessoa como outra qualquer”, feliz porque “me descobri e me aceitei, sinto-me livre para ser quem sou e junto das pessoas mais importantes para mim”. Alfredo também não se vê como diferente porque a sua “sexualidade é tão normal como as outras, a homossexualidade é normal” e que quem o considera diferente “é que deve explicar o porquê”.
São histórias de superação porque não foram fáceis. Porque muitos só conseguiram ser quem sempre quiseram quando vieram estudar para a Covilhã. Porque muitos ouviram coisas que magoam, que muitas vezes são ditas da boca para fora, mas que deixam marcas em pessoas que se estão a construir e a formar a sua identidade quando se apercebem que serem como são lhes vai trazer reprovação, principalmente quando essa vem das pessoas mais próximas. Não foi fácil admitem, mas valeu a pena. Leonor «saiu do armário» numa fase complicada da sua vida. “Nem todas as reações foram positivas, mas sabia que seria assim”. “Depois de viver a tentar ser quem queriam que fosse, pode ser eu própria foi uma sensação indiscritível”. Bruno diz que foi na Covilhã “onde comecei a ser eu”. Ser feminino desde criança ensinou-o “a lidar com a rejeição” e agradece ter tido sempre “pessoas próximas que me apoiaram e defenderam quando ainda não o sabia fazer por mim”. Também Eduardo afirma que vir para a Covilhã permitiu-lhe “ser eu verdadeiramente, recomeçar uma vida do zero em que não conhecia ninguém e podia ser como realmente sou de imediato”. Assumir-se não foi fácil. “Achei que era uma aberração”. Hoje em dia arrepende-se de ter pensado assim e conseguiu aceitar-se e isso foi fundamental para que os outros o aceitassem também, incluindo a sua família que com o tempo aprendeu “a respeitar como sou e de quem gosto sem se meter nisso”. Alfredo diz que é “maravilhoso viver sem precisar fingir ser quem não sou”. Vindo de uma família católica no Brasil, chegou a ter uma namorada durante quatro anos com quem todos julgavam que ia casar e ter filhos. Habituou-se a ouvir “que ser gay era errado e que quem o fosse ia para o inferno”. Assume mesmo que cada vez que admirava um homem punia-se rezando por horas, tendo tido muitos conflitos com o pai na adolescência. Quando se assumiu foi aceite por eles como nunca esperou. “A minha relação familiar melhorou bastante”. David já não queria viver mais escondido de si próprio. “O julgamento nos corredores não acabou” quando se assumiu. Mas considera-se “bem aceite pelas pessoas lindas que tenho na minha vida”. Ouvia muitas críticas e comentários, mas começou a entender que só lhos faziam “para se sentirem poderosos” e aprendeu a “não ligar”. Alexandra diz que as reações foram “positivas, todos me aceitaram e apoiaram”.
“És demasiado feminino”. “Um dia destes levas uma sova”. “Paneleiro”. “Tenho vergonha de ter uma pessoa como tu na minha família”. “Gay”. “Não vales nada”. “Eu parto-te a cara toda”. Isto são apenas uma ínfima parte dos comentários que ouviram neste processo de aceitação. Comentários que foram e continuam a ser normalizados por quem não os condena e não repreende quem os tem. Não podemos ter medo algum de ser intolerantes com os intolerantes. Karl Popper, em 1945, disse-nos isso no seu paradoxo da tolerância. O grande desafio de conquistar uma liberdade é mantê-la, é evitar que quem a tenta corromper não seja bem-sucedido. E isso não nos torna intolerantes, mas apenas pessoas com consciência da missão difícil e corajosa que têm nas suas mãos. Nestas histórias, mais do que os comentários mudarem, foi a sua força interior que mudou as suas vidas.
Uma mensagem final para as pessoas? “A vida dos outros e a maneira como a vivem não se intromete com a vossa” atira Leonor. “Cada um é como é, cada um se veste como quer e ninguém tem nada a ver com isso, não devemos explicações a ninguém e só temos de nos agradar a nós próprios” confirma Eduardo. David aconselha quem critica dizendo que “antes de criticarem alguém, só pela maneira como falam/vestem ou só pelo que são, pensem se gostavam de estar no lugar dessa pessoa, onde os vossos direitos seriam julgados ou privados”. Bruno diz que lhe cabe a ele decidir como gere a sua vida, “quem paga as minhas coisas sou eu, quem vive a minha vida também sou eu e não há espaço para opiniões de como a devo viver”. Alexandra é mais pragmática, dizendo que “as pessoas não têm de aceitar. Cada um é como é e as pessoas só têm de respeitar”. Alfredo pede uma aceitação global e respeitadora. “Quando a humanidade entender que somos todos humanos independentemente das nossas genitálias e que podemos agir como quisermos teremos pessoas mais felizes sem limitações que nos ensinam desde o nascimento”.
Numa sociedade que tanto gosta de se individualizar e em que todos gostamos de ter coisas diferentes e especiais, ainda não se aceitar a diferença quando ela nos choca. Todos queremos ter as almofadas mais bonitas para o sofá lá de casa, mandar fazer um vestido ou um fato à medida para sermos únicos na próxima festa, o bilhete para aquele concerto que mais ninguém conseguiu. Queremos ser diferentes, especiais e não queremos que os outros nos imitem. Mas quando duas pessoas do mesmo sexo se apaixonam ou se envolvem, ou mesmo se vestem ou arranjam de forma distinta e são diferentes de quem não os tolera, aí já todos querem uma sociedade igual, porque é tradição. Mas há um vazio enorme no argumento da tradição. Não se saber bem onde ela começa, nem onde acaba. Casamento única e exclusivamente heterossexual é tradição, mas a escravidão já não o é. E no entanto, ambas vêm exatamente do mesmo e datam praticamente da mesma altura.
Quantas cores tem afinal o arco-íris? Exatamente as mesmas para todos. E nem aqueles que ainda vêm a preto e branco têm o poder de as apagar.
Participantes:
Leonor Silva, 19 anos, aluna de licenciatura de Cinema
David Mena, 20 anos, aluno de licenciatura de Design de Moda
Alexandra Simão, 18 anos, aluna de licenciatura de Ciências da Cultura
Eduardo Ribeiro, 19 anos, aluno de licenciatura de Marketing
Alfredo Taunay, 38 anos, aluno de doutoramento em Media Artes
Bruno Arrais, 20 anos, aluno de licenciatura de Design de Moda
- 02 jun, 2020
- Fernando Gil Teixeira