Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

"Fico em casa" com João Morgado Voltar

O isolamento, pode ser um tempo de afectos e crescimento…

Estes dias de recolhimento não são férias. São parte da nossa guerra contra um inimigo invisível mas presente. Um inimigo que nos espreita a cada canto, à espera de nos fazer cair numa emboscada, e que pode vir nas mãos de uma grande amigo…

É por isso que, (e com razão) temos medo de nos tocar, ficamos em casa, mas que isso não nos iniba de todo as emoções. Para além do beijo, do abraço, do passou-bem, haverá sempre outras formas de demonstrar amizade e carinho, saibamos nós ser imaginativos. Este isolamento reuniu a família, e abrandou o nosso ritmo de vida, o que me tem permitido falar com mais amigos, mais familiares. Falar com mais e mais tempo. Tem permitido arrumar velhas fotografias dos álbuns, ou que andavam perdidas no computador, o que é muitas vezes pretexto para partilhas, para novas conversas, para recordações, para nostalgias… por vezes, para arrumar também com carinho, as saudades dos que partiram. Bem aproveitado, mais que nunca, talvez este tempo de recolhimento seja um verdadeiro tempo de emoções e afectos… mas para isso, é preciso que nos preocupemos mais com as pessoas do que com o papel-higiénico.  

Este silêncio que se sente, é excelente para quem quer pensar, falar consigo mesmo, até – quem sabe – escutar o divino. Um tempo para olhar à nossa volta e tirar lições dos tempos que estamos a viver. São tempos de medo que mostram a nossa fragilidade. Apesar dos avanços científicos – amanhã podemos por um pé em Marte, mas hoje trememos contra um vírus de 400 a 500 nanômetros, uma coisinha ínfima que é só observável ao microscópio.

Tememos a morte, o que nos obriga a reflectir sobre a nossa efemeridade – amanhã podemos já não estar cá -, mas isso deve levar-nos a organizar melhor as nossas prioridades na vida.

Hoje, posso dormir mais, comer mais devagar, olhar o céu com calma, falar com a família sem pressas – não temos nada a aprender com isso?

Mas estes tempos também nos mostraram o pior e o melhor desta sociedade. Os açambarcadores, os irresponsáveis, os egoístas que nos envergonham… mas também os sacrificados pelo bem-comum, os generosos, os profissionais, os humanos que continuam a salvar vidas e manter o mundo a rodar – não temos nada a aprender com isso?

Eu procuro tirar lições destes tempos, enquanto leio livros, que são momentos de evasão, enquanto agarro novos projectos e novas escritas, pois são momentos de crescimento, enquanto mando mensagens sérias (muito sérias) aos amigos, mas também algumas bem-humoradas (pois o riso é um bom anti-depressivo para estes tempos).

Vamos vencer esta guerra. Uns serão apenas sobreviventes. Mas, acredito, muitos vamos sair bem mais fortes…

João Morgado 

- 21 mar, 2020
- João Morgado