RECUANDO UM SÉCULO: A «GRIPE PNEUMÓNICA» NA COVILHÃ -2
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Que impacto teve a «Gripe Pneumónica» na população operária da Covilhã? Que medidas foram tomadas na época para lhe fazer frente? E de que forma funcionaram as estruturas locais de saúde existentes no apoio aos epidemiados? E a sociedade civil da Covilhã, como se comportou? Um dado é certo: foi principalmente entre as classes trabalhadoras e as numerosas famílias operárias que a epidemia fez a maior parte das suas vítimas.
Na verdade, os dados concretos sobre o impacto que a doença teve entre a população operária da cidade não estão disponíveis. No entanto, vamos recorrer aqui ao estudo já citado no artigo anterior da autoria do Dr. Cúcio Frada para, de forma indirecta é certo, chegarmos a algumas conclusões a este respeito. Cúcio Frada identifica um conjunto de factores que permitem caracterizar as condições sócio-económicas e sanitárias da sociedade portuguesa de então e que ele associa à acção fatal da epidemia: o custo de vida, a estrutura das famílias, o orçamento familiar, o poder de compra, o tipo de alimentação e as condições higiénicas e sanitárias. Quando aplicados às classes trabalhadoras, todos estes factores traduziam-se por uma incidência altamente favorável à entrada e propagação da epidemia. Vejamos então o caso do proletariado da Covilhã.
Relativamente ao custo de vida, nos anos da Primeira Guerra Mundial, este apresentava-se bastante elevado, atingindo em 1918 um índice de 292,7, tomando por base o ano de 1914. Nesse período, ocorreram na Covilhã situações de fome e outras carências de toda a ordem que atingiram principalmente o meio operário. Tal era agravado pelo facto de as famílias operárias da Covilhã serem muito numerosas, compostas normalmente por quatro e cinco elementos, tornando exíguos e muito insuficientes os orçamentos familiares. Estes terminavam a semana com saldos negativos. Basta referir os dados de um Inquérito realizado, em 1917, pelo Ministério do Trabalho junto da Associação de Classe dos Operários da Indústria Têxtil, o qual revelou que numa família de quatro pessoas, os salários, incluindo os de duas crianças, ascendiam a 3200 réis semanais, enquanto as despesas obrigatórias com uma alimentação onde predominavam o pão, as hortaliças, as batatas, o feijão, bem como o carvão obrigatório, tudo, mais a renda da casa, ascendia aos 4200 réis, o que se saldava obviamente num saldo negativo de 1000 réis, impondo em muitos casos o recurso às casas de penhoras. As famílias viam-se assim obrigadas a «cortar» na alimentação diária, com todas as consequências nefastas para a saúde.
No que toca às condições de higiene e sanitárias da Covilhã, estas não podiam, por outro lado, ser mais favoráveis à entrada e propagação das epidemias. Cúcio Frada associa este factor à forte penetração e propagação da gripe, não sendo de espantar que o maior número de casos fatais tivesse ocorrido nas localidades e nos meios sociais onde a ausência destas condições era mais gritante. Neste aspecto, a situação da Covilhã era deplorável, como reconhecia a própria Comissão Executiva da Câmara Municipal em Outubro de 1918, quando a epidemia já cá grassava: «…a cidade da Covilhã, sob o ponto de vista da higiene, salubridade e limpeza é infelizmente uma das que mais deixa a desejar, conforme se está evidenciando por muitos casos fatais recentes, segundo é notório…». É claro que as principais vítimas destas condições eram as famílias operárias. Estas viviam em bairros e habitações verdadeiramente miseráveis, as quais já vinham do passado, perante a indiferença e a incúria das autoridades municipais.
Por fim, o que dizer das estruturas locais de saúde? Existia, de facto, o Hospital da Misericórdia, mas este era claramente insuficiente para as necessidades, como assinalava o jornal “Correspondência da Covilhã” de 13 de Outubro de 1918: «Temos uma Misericórdia que mal chega para hospitalizar a centésima parte dos doentes pobres. Um Albergue com reduzido número de aceitação de inválidos. E além disso, algumas poucas Associações de Socorros Mútuos e a caridade particular».
Restava a intervenção activa da sociedade civil local. Falaremos dela no próximo e último artigo.
- 13 out, 2020
- António Assunção