Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

O imprevisto tempo sabático na UBI e no mundo Voltar

Não durante um ano, mas por apenas algum tempo, a humanidade autoconfinou-se. E este confinamento também teve coisas muito boas, tanto internamente para a UBI como externamente para o mundo.

Nestas circunstâncias excecionais afastámo-nos da pressão da competição. Essa tensão que força a humanidade a correr. A correr todos os dias e contra todos, de modo a que sejam esgotadas todas as possibilidades de produção e consumo. As consequências ambientais são aliás conhecidas, neste intermezzo, o planeta respirou e baixaram todos os indicadores de poluição. Uma pessoa, uma universidade, uma cidade, ou um país só são competitivos se forem capazes de explorar todos os seus meios de produção, quer sejam agrícolas, comerciais, ou de serviços — como é o caso da universidade. Nicolau Maquiavel ensinava que o ócio leva à corrupção, ao desvio de recursos dos bens públicos, e que essa mesma corrupção leva ao enfraquecimento e à derrota dos povos. Segundo ele os recursos tinham de estar sempre em plena utilização.

É aqui que surge uma insanável contradição. Pois, para que um estado ou as suas instituições estejam preparados para uma catástrofe, como o coronavírus, não podem ter todos os seus recursos em plena utilização. A existência de recursos afetos a contingências requer que haja sempre uma parte de recursos que não esteja a ser utilizada. Se colocarmos todos os nossos recursos em operação, para obtermos o máximo de benefício momentâneo, vamos acabar por perder a flexibilidade para responder a imprevistos aleatórios.

A arte está em conseguir equilibrar a percentagem de recursos em exploração com a fração de recursos em reserva. Todos dizemos que os governos deviam estar mais bem preparados para a Covid-19, mas hoje todos querem voltar ao trabalho assim que for seguro, e ninguém quer ficar na reserva. A pressão da economia exige e ninguém quer perder para a concorrência. Este é também o fado que todos os anos nos persegue, quando notamos que o número de bombeiros disponíveis para os incêndios, imprevisíveis em dimensão e localização, não chega para as necessidades.  

Um extintor é uma coisa muito valiosa, mesmo que nunca tenha sido usado. Ter grandes reservas de equipamentos clínicos, um elevado número de camas de cuidados intensivos, um elevado número de médicos, enfermeiros e auxiliares de saúde de folga é algo que segue a mesma lógica. Contrariando Maquiavel é importante ter recursos de folga, incluindo pagar a militares em tempo de paz ou a polícias quando não há assaltos. Isto é precisamente o que é necessário para estar preparado para os tempos de crise. Esta ineficiência, que advém de não explorarmos os recursos na totalidade, não é necessariamente uma má ideia. O conceito de produção “just-in-time” e de mão de obra precária, sem qualquer folga, vai introduzir uma fragilidade estrutural face a situações de crise. A maioria dos países não tinha em reserva os recursos suficientes para lidar com a propagação do vírus, mas, passado o susto inicial do confinamento forçado, todos se esquecem e querem os recursos em pleno ao serviço da economia. Não aprendemos nada!

E, no entanto, a reserva de recursos não é algo de novo. O caso do pousio, na agricultura, é ensinado há quase 3000 anos – veja-se Deuteronómio – e visa assegurar que a sobreexploração dos recursos não os extingue. Nas universidades este pousio chama-se ano sabático e semana de trabalho sabática. O primeiro pode ocorrer a cada sete anos. A segunda advém da distribuição de serviço semanal que conta com trabalho de aulas, mas também com tempo para a ciência, para o estudo e atualização permanentes, e para o serviço à comunidade. A UBI só é hoje uma grande e prestigiada universidade porque assim organiza o seu trabalho.

No grande palco mundial onde as melhores universidades se movimentam, tal como no da vida, só sobrevivem as que melhor se adaptam à mudança. E para renovar e fazer reformas é necessário tempo para pensar, para ter ideias, é necessário pagar o preço de ter folga, não usando os recursos humanos até à exaustão.

Este confinamento, agora mitigado, é também uma excelente oportunidade para desacelerar e podermos dar todos o nosso contributo pessoal. Nas nossas vidas, na nossa cidade, na nossa universidade, é importante valorizar o tempo sabático. Uma terapia de choque, de rotura, mal pensada e sem bom senso, de ação e reação, apenas daria um impulso momentâneo, no longo prazo não nos traria nada de bom.

José Páscoa

 

- 02 jun, 2020
- José Páscoa