Espaço Literário: "Desenvelhece-te" por Fernando Gil Teixeira
Voltar
Envelhecemo-nos.
Todos os dias.
De cada vez que evitamos dar um passo, pensar num problema, desafiar um medo ou testar uma capacidade. De cada vez que dizemos que deixamos algo para depois ou que o nosso lema de vida se torna “já vai”. De cada vez que adiamos coisas por preguiça e que evitamos outras por não nos querermos incomodar.
Envelhecemo-nos.
Todos os dias.
E o tempo passa. Passa e não espera, não esperas que o acompanhemos e que aproveitemos todos os momentos ao máximo. Isso cabe-nos a nós, não perder a boleia que o tempo nos dá e sermos inteiros, ou deixarmo-lo ir sem nós e sermos partes de algo que nunca será um todo.
Nem damos conta. Achamos que seremos eternamente novos, eternamente jovens, eternamente sãos. Achamos que a velhice e a falta de cognição que dela advém são coisas tão longínquas que nem no fundo do túnel as vemos aparecer. Adiamos tanto a sua presumível chegada que quando damos conta, já está ao virar da esquina e já não podemos fazer ter valido a pena.
E aí, muitas das vezes, acabou-se. Não se acabou a vida, nem as experiências, nem os motivos de chorar e os motivos de rir. Mas que quando esse momento chegar e nos apanhar inevitavelmente de surpresa e nos pregar a tão odiada rasteira da idade, tenhamos vivido coisas. Coisas suficientes para lembrar, mesmo quando a memória começar a ser matreira e selectiva. Coisas suficientes para contar a quem tiver na disposição de nos ouvir. Coisas suficientes para nos agarrarmos à vida e não termos apenas motivos para querer partir. Coisas suficientes para aí sim acompanharmos o fim do tempo, mais calmo e de passo curto, sem querermos apressar o destino que chegou tão rápido enquanto pensávamos erradamente que seríamos eternos.
Eternos.
Podemos não sê-lo fisicamente.
Mas temos sempre de o ser em amplitude. No que fazemos, no que dizemos, no âmago de com quem no damos. Temos de ser eternos nas nossas vivências, nas nossas memórias e nos legados que deixamos, sejam filhos sejam pessoas que se inspiraram e se educaram por nós. A passagem não leva tudo. Não leva tudo e deixa rasto. Deixa pelo caminho o que fizemos para perdurar na boca e nas memórias de outros. Naquilo que dirão ou escreverão sobre nós.
E se quando formos lembrados se esboçar um sorriso sincero, então já valeu a pena ter existido.
Faz acontecer.
Agora.
Para que depois te possas lembrar do que fizeste e não do que gostavas de ter feito.
Desenvelhece-te.
- 26 mai, 2020
- Fernando Gil Teixeira