Diretor: Vitor Aleixo
Ano: XI
Nº: 587

PANDEMIA E «RISCOS EXISTENCIAIS» Voltar

 

            A crise pandémica que atravessamos tem vindo a mostrar como as pessoas, a sociedade e as instituições não perderam, apesar dos temores  que a todos afectam e também dos riscos que a todos ameaçam, o sentido não só de um supremo espírito profissional – como é o caso dos profissionais da saúde – mas também o de solidariedade e de espírito de partilha. E nem o respeito generalizado e esmagadoramente maioritário pelo «distanciamento físico», acompanhado por outros cuidados preventivos do contágio, tem obstado a essa mobilização de todos por todos. Escrevi «distanciamento físico» em vez de «distanciamento social» de propósito. Não gosto desta última expressão, porque ela pode, se profundamente interiorizada e enraizada, tomar conta dos espíritos e, ultrapassando o horizonte temporal da actual pandemia, evoluir, negativamente, para formas extremas de recusa do outro, de medo do outro, da fuga da convivialidade e  da cooperação solidária, as quais, na sua face positiva,  necessitam da proximidade e não da distância. Devemos estar prevenidos, pois, como nos mostra a História, em tempos de crises profundas ou sistémicas, facilmente se espalha a tendência para a todo o custo encontrar os «bodes expiatórios», apontados a dedo por demagogos  e transformados em alvos a abater por sectores não esclarecidos da sociedade. Pratiquemos, pois, o distanciamento físico ou, se quisermos, espacial, mas continuemos a recusar, pelas formas diversas de solidariedade ao nosso dispor, o distanciamento social.

            Mas esta crise pandémica é também um tempo para reflectirmos sobre outras questões associadas a ela. Quero aqui falar dos  chamados « riscos ou ameaças existenciais» que impendem gravemente sobre a humanidade no seu todo. Trata-se de questões que estão a ser, desde há muito tempo, objecto de estudo e de pesquisa em centros europeus, como é o caso do “Center for Study of Existential Risk”, localizado em Oxford e do “Future of Humanity Institute” e por cientistas como Ricardo Abramovic, da Universidade de S. Paulo e Toby Ord, pesquisador de Oxford e autor do recente livro “O Precipício – Risco Existencial e o Futuro da Humanidade”, ainda não à venda em Portugal.

            A noção de «Risco ou Ameaça Existencial” é o ponto de partida destas pesquisas, que constatam a profunda precariedade entre o Poder quase sem freio ao dispor do homem na sua transformação constante do mundo e a carência igualmente crescente de Sabedoria, de Prudência e de Instrumentos Políticos Democráticos que são necessários não para combater esses riscos mas para os evitar. Importa salientar que, embora o referido Poder quase sem freio acumulado nas mãos do homem resulte dos meios postos ao seu dispor pela Ciência e pela Tecnologia e também do Talento e da Inteligência humanas, não é neste pretenso excesso de Ciência, de Tecnologia e de Talento que reside o mal, mas antes na tal carência de Sabedoria e de Prudência, para além dos instrumentos políticos indispensáveis visando o seu uso equilibrado.

            São quatro os «riscos ou ameaças existenciais» que impendem presentemente, segundo os cientistas citados e outros, sobre a humanidade e que podem conduzir à sua extinção como espécie e do planeta. Há, porém, que distinguir esses riscos, cujo carácter distintivo é serem produzidos e criados pelo homem, dos riscos, também eles existenciais, que podem advir de fenómenos naturais como as erupções vulcânicas, os “tsunamis” e os terramotos. A estes, a humanidade, não os podendo evitar, terá, na sua emergência, de desencadear os meios e os dispositivos para os combater. Quanto aos riscos existenciais produzidos pelo homem, os investigadores apontam quatro: a Guerra Nuclear, as Alterações Climáticas, a Guerra Biológica ( através da produção laboratorial de entes patogénicos de destruição massiva) e a Inteligência Artificial.

            Nesta emergência pandémica com que estamos confrontados, todos sentimos que o grande desafio, também motivado pelo natural temor, é o darmo-nos todos as mãos, num esforço coordenado e solidário para nos salvarmos. E isso é legítimo, naturalmente, e está a ser feito. Mas poderemos nós, os desta geração, olvidar a dívida que temos para com as gerações vindouras, onde estão os nossos filhos e netos, de um mundo sem riscos existenciais, habitável, para que usufruam da vida em toda a sua plenitude? Esta é uma das mais sensíveis questões Éticas do nosso tempo. Aqui, há que realçar que estes riscos existenciais são, pela sua natureza e amplitude, globais. Não podem, por isso, ser resolvidos e combatidos ao nível nacionalista, como pretendem os populistas e as forças extremistas. Encará-los e eliminá-los terá de ser feito no âmbito das instituições democráticas, pelo diálogo e pela criação de mecanismos de um  multilateralismo sábio, prudente e activo, portanto, pela cooperação e não por posturas de fechamento e de egoísmo nacionais, geradores do princípio do «salve-se quem puder». O desafio é tremendo e exige elites políticas e também empresariais renovadas e dotadas de um grande sentido de Visão e Compromisso Político e Ético.

 

           

- 08 abr, 2020
- António Rodrigues de Assunção